Por Percival Puggina
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Meu interlocutor era um jovem revoltado. Havia comprado a peso de ouro, numa universidade particular, a velha conversa fiada do esquerdismo acadêmico sobre o Brasil dos índios, a dívida histórica e a ilegitimidade de toda propriedade aqui escriturada depois de 1500. “Não só aqui, disse eu, mas em toda a América do Sul, na América Central, no Caribe e na América do Norte, não é mesmo?”. O rapaz ficou meio surpreso com essa rápida expansão do revisionismo que propunha, mas deve ter pensado em ianques e em Bush e concordou: “Sim, em toda a América”. Olhei-o e continuei: “E não só na América, meu caro. Também na Austrália, na Nova Zelândia, nas Filipinas, na Oceania, em boa parte da África”.
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O moço já não evidenciava tanta firmeza em seu desejo de passar a limpo a história universal. Fui em frente: “Aqui no Brasil, tua tese desencadeia, aliás, outras pendências. Lembra-te de que quando os portugueses chegaram, estava em curso uma já milenar disputa pela posse da faixa costeira, onde os alimentos eram mais abundantes. Há muitos acertos a fazer, como, por exemplo, os que envolvem os papanás, os tupinambás, os tupiniquins, os aimorés e os goitacás. Sendo que eu, pessoalmente, vejo com bons olhos os direitos dos papanás. E tudo isso sem esquecer que quando a família tupi-guarani começou sua expansão na região, coisa de uns dois ou três mil anos atrás, ela se fez contra os cocamas e os onaguas. Realmente, meu jovem, há muita injustiça histórica a ser corrigida aqui na nossa volta”.
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Nesse ponto fui interrompido. “O senhor não está indo longe demais?” Claro que eu não estava indo longe demais. Para ir bem longe, mesmo, esclareci, teríamos que dirimir em definitivo uma dúvida sobre se os primeiros humanos na América foram, de fato, os asiáticos que entraram pelo estreito de Behring, ou os aborígenas da Austrália ou da Polinésia chegados pela Terra do Fogo.
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Por que estou relatando este diálogo? Porque volta e meia nos encontramos com arrazoados como os que lhe deram origem, sempre sob motivação ideológica, navegando na maionese do paraíso perdido. É uma conversa anacrônica, que fantasia sobre o estado de natureza e sobre um mundo sem disputas por espaços, perdido e destruído pela invasão branca. Aliás, se os califados da Península Ibérica entre os séculos VIII e XV se houvessem consolidado, talvez estivéssemos falando sobre as Grandes Navegações Árabes e a conseqüente invasão moura da América...
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De fato, se for para acertar contas, dificilmente algum assentamento humano ficará onde hoje se encontra e teríamos que voltar às origens da Criação, talvez pendurando Caim num galho de oliveira.
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