04.12, 11h45 por
Ricardo A. Setti, no Jornal do Brasil.Quem percorreu, mesmo que por cima, a maravilha que é a mitologia grega certamente se lembra dos 12 trabalhos de Hércules, o semideus filho adulterino de Zeus com a esposa do rei de Tebas. Não vem ao caso relembrar a complicada história que levou Hércules a, em busca de expiação e da imortalidade, ter que se haver com uma dúzia de tarefas impossíveis. O fato é que o segundo trabalho hercúleo já era enfrentar a Hidra de Lerna, monstro aquático de nove cabeças, uma delas imortal. Para cada cabeça que o herói cortava, nasciam mais tantas quantas faltavam ainda a decepar. Hércules, naturalmente, triunfou. Não sobrou nem a cabeça imortal.
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Descendo muitíssimo - do Olimpo direto para o Planalto de Brasília -, a história da Hidra de Lerna, com sinal trocado, nos faz lembrar desse interminável lenga-lenga que é a montagem do Ministério do presidente Lula. Ao contrário, muito ao contrário do semideus grego, Lula, que tem diante de si uma hidra ministerial de 34 cargos, não quer cortar nenhum. O presidente acha ótimo dispor desse interminável elenco de ministros e chegou a dizer que não se mexe na estrutura de "time que está ganhando".
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Mesmo deixando de lado a pergunta óbvia - ganhando onde, e em quê? -, o que o presidente poderia fazer é perguntar a um de seus freqüentes interlocutores entre o grande empresariado qual deles acha que tem alguma chance de dar certo o trato direto com 34 diretores. O presidente constataria sem dificuldade que lidar com 34 direct reports seria um absurdo que tornaria a empresa burocratizada, aparvalhada e pesadona - sem contar que o CEO, presidente ou dono provavelmente enlouqueceria. Pois um dos segredos da boa governança empresarial é, via delegação e outras formas, diminuir o quanto possível o número de interlocutores obrigatórios de cada gestor em seu respectivo nível.
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Lula pretende acomodar o máximo de partidos políticos possível no Ministério, almeja um mandato "de convergência", quer que só lhe façam oposição quando despedir-se do Palácio do Planalto, no primeiro dia de 2011, mas nem pensa em focar precisamente um dos fundamentos de qualquer alteração de gabinete, além da necessária conveniência política: a busca de maior eficiência da máquina - no caso, a mais numerosa desde a Independência, em 1822. Nem nossos dois imperadores, Pedro I e Pedro II, dispuseram de tamanho séquito administrativo.
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A atual multidão de ministros é tal que alguns raramente tratam a sós com o presidente. Basta fazer as contas: levando-se em consideração périplos pelo país e viagens ao exterior, Lula passa cerca de um terço do ano, pouco mais que isso, em Brasília. Digamos que sejam 100, ou até 120 dias úteis. Ainda que despachasse diariamente com um ministro diferente, o que não ocorre, eles passariam mais de três meses sem contato com o presidente. (Lembremo-nos de que no primeiro ano do atual lulalato, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, politicamente próxima ao presidente, só despachou com ele uma única vez).
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Lula adora se comparar a presidentes com marca de realizadores, como Getúlio Vargas ou Juscelino Kubitschek. Certamente, porém, deixou de lado o item tamanho do time. Embora os tempos sejam outros, Getúlio, em seus quatro diferentes períodos de governo e 18 anos de poder (de 1930 a 1945 e, depois, de 1951 a 1954), teve um mínimo de sete e um máximo de 11 ministros. JK (1956-1961) contou com 11 ministros, e cinco titulares de "órgãos de assessoramento", como os gabinetes Civil e Militar.
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Mundo afora, quase todo país sério é governado por equipe enxuta. Os presidentes americanos, por exemplo, conseguem tocar adiante a superpotência de 300 milhões de habitantes e uma economia colossal de 13,3 trilhões de dólares com 15 ministros. Naturalmente a eficiência de uma máquina pública não se mede somente pelas dimensões do Ministério. Para que ela ande a contento, porém, o tamanho exagerado é o primeiro e grande empecilho, que o presidente não enxergou durante o primeiro mandato e continua a não enxergar quando o segundo se aproxima.
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