Consta que a ExxonMobil está pagando US$ 10 mil por artigo desqualificando o relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês). Eu logo fiz como aquele jacaré da piada, que quer entrar na festa do céu, e exclamei: “Obaaaaaaaa!!!”. Mas aí li que eles querem só cientistas e economistas. E eu fechei o bico: “Coitadinhos dos jornalistas...!” Abelhudo como eu não serve. Fiquei tentando a aderir imediatamente a esta onda formidável de condenação ao, como é mesmo?, “ser humano”, que sempre estraga tudo... É sério. O mundo ia bem, ali, naquele seu ritmo, sabem?... Uma explosão ou outra de vez em quando, um maremoto, um meteorito, mas tudo muito natural. Aí apareceu este ignóbil, detestável, verdadeiro lixo das esferas celestiais: o ser humano, doravante grafado “serumano”. E fez o quê? O serumano ficou emitindo o PPC (Pum Pantagruélico da Civilização), esses gases do efeito estufa. E agora estamos nós assim: por culpa do serumano, a coisa vai esquentar.
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Ok. A ExxonMobil faz bem em não me pagar. Eu não entendo nada desse assunto. Mas os que andaram redigindo o apocalipse nos últimos dois ou três dias, depois da divulgação do relatório, também não entendem. Mas sei perceber quando estou diante de uma causa política. E este é definitivamente o caso. Releia, leitor amigo, o que foi publicado a respeito: onde houver honestidade, haverá a ressalva de que tudo o que se tem são hipóteses — ainda que plausíveis, mas hipóteses.
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Devemos, por isso, ficar de braços cruzados? Não, é claro. Mas calma lá com o apocalipse. Ponham ao menos alguns anjos tocando trombetas — e que não tenham a cara do Kofi Annan ou daquele coreano que agora é secretário-geral da ONU, cujo nome ainda não tive tempo de decorar. Há um sujeito no Estadão de sábado afirmando que as guerras mundiais são “fichinha” perto do que se pode ver. Ele inclui o holocausto, as duas bombas atômicas e os milhões de mortos de algumas “guerras” políticas localizadas, como China ou URSS?
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Não, eu não entendo nada de clima. Mas os que andaram produzindo boa parte das toneladas de informação sobre o aquecimento global (o que , é claro, aumenta o aquecimento global) também não entendem. Tanto é assim que a versão não tem contraditório. Sim, há quem não concorde com essas previsões. Mas o pacote já vem completo: ou você começa a se descabelar junto com os 600 cientistas do IPCC ou você é um capacho da ExxonMobil...
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Como ignorar que a estrutura simbólica dessa história segue rigorosamente a das religiões apocalípticas? Reparem que os efeitos realmente dramáticos do aquecimento, aqueles que, parece, ameaçam com o fim da civilização humana, virão dentro de 500 anos. É isso aí: nunca um crente em religiões apocalípticas conseguiu ver o apocalipse. Ele permanece como o evento escatológico, finalista, que dá sentido à crença e aos rituais presentes. Nenhum de nós terá como cobrar o resultado das previsões. Tenho guardada em algum lugar aqui de casa uma reportagem da década de 70 — eu estava no colégio — que tratava do fim da floresta amazônica no ano 2000. Quem afirmava eram os cientistas. Tudo aquilo iria virar um deserto. Que eu saiba, até hoje, apenas 13% da floresta foi “devastada”. E ela ainda engoliu a Transamazônica...
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Agora vou escrever um parágrafo inútil, porque não lhe darão bola. Mas vá lá. Eu acredito, sinceramente, que se devem tomar providências para inibir a emissão de gases poluentes. Ainda que não houvesse o efeito estufa, parece-me que é melhor para a saúde das pessoas, dos animais, da natureza etc e tal. Sim, Santo Deus!, sou um homem bom como qualquer um de vocês ou dos cientistas do IPCC!!! É justo e prudente que os governos se preocupem com isso. O que me causa irritação é essa bobagem de “a culpa é nossa”; “a culpa é do serumano”. Que culpa, cara pálida? Eu não peço desculpas pela invenção do antibiótico, do carro, do vaso sanitário, da informática, do vinho, do ácido acetilsalicílico, do omeprazol, do chicabom...
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Vocês acreditam que eu nem mesmo acho que o mundo já foi melhor um dia, quando era mais fresquinho — 0,7 grau centígrado mais fresquinho, mas era. Ora, vejam vocês: nunca fomos tão felizes. Refiro-me, claro, à espécie. As infelicidades individuais, se têm cura, curam-se com amor, analista, Prozac, as três coisas somadas mais um dose de uísque (não junto com o Prozac...). Mas também não exagerem nas ambições. Esse negócio de que você tem de ser feliz a qualquer custo é pura falta de imaginação, leitor amigo. Só um idiota é plenamente feliz. Mas isso fica para outra hora. Eu retiro do tribunal, para onde querem mandá-la, a “nossa civilização”. Uma banana para esses apocalípticos!
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Eu conheço essa conversa. A resposta ao aquecimento global, vocês podem não saber, mas já estava em Virgílio (70-19 a.C.). Sim, o poeta latino. Leiam lá a Quarta Écloga, das Bucólicas. Ele anuncia a Idade do Ouro, que viria substituir o vale de lágrimas que é o mundo. Do presente e passado, dizia com infinita mais graça o mesmo que dizem os cientistas:
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“Se o nosso crime deixou traços, nada valem eles
que de um terror perpétuo livrar-se-ão todas as terras.
Terá a vida dos deuses o menino, que os verá
No meio dos heróis, e será visto em meio a eles,
Regendo com as virtudes de seu pai um mundo em paz."
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A “saudade do futuro” é um traço de várias culturas. É especialmente forte na nossa. Desnecessário dizer que os cristãos tentaram fazer de Virgílio uma espécie de iluminado, que teria antevisto a vinda do Cristo. Besteira. A sua poesia pertence à mais legítima cultura pagã. Mas também ela tinha suas dissensões com a, digamos, civilização. E sem efeito estufa. Apocalipses e redenções estão entranhados na nossa memória cultural. Assim, é claro que essa onda de calor intelectual vai passar. Só é necessário algum cuidado porque já se fala até numa espécie de polícia planetária para vigiar o meio ambiente... Huuummm. Não há totalitário no mundo que não sonhe com um governo mundial — e não é para buscar a paz perpétua kantiana, não. É para impor ditadura mesmo. Sim, eu sempre tomo muito cuidado com quem gosta mais de baleia do que de gente.
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Vocês não me pegarão propondo uma espécie de ashura (aquela autoflagelação xiita), lastimando os desvios da nossa civilização. Se é que aqueceu mesmo — e há opiniões respeitáveis, censuradas aqui e no mundo, dizendo que não é bem assim —, o que dizer? “Lamento!” Pagamos um preço até pequeno. Em cem anos, a expectativa média de vida do serumano aumentou quase 50%.
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Sim, que os governos se preocupem, busquem energia limpa (os ecochatos vão parar de patrulhar a energia nuclear, por exemplo?), plantem árvores à mancheia para ampliar a capacidade de absorção de carbono, sei lá. Eu, definitivamente, estou fora desse papo obscurantista de que a Terra era bacana, mas o serumano estragou tudo com a sua ambição.
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PS: E, é claro, não custa observar: com o fim das suas ilusões, as esquerdas resolveram se juntar ao extremismo islâmico. Agora, chegou a vez do aquecimento global. É como se uma predição estivesse se realizando: “Estão vendo? O capitalismo só poderia dar nisto aí: autodestruição”.
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Por Reinaldo Azevedo 07:15
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