Caetano descasca a esquerda, Lula e Chávez
Salvador - Ó paí, ó, o Caetano de babá dos dois filhos mais jovens Zeca (14 anos) e Tom (8), e de Artur e Pedro, amigos do primeiro, e de Jennerson, Bruno e Gerson amigos do segundo e jogadores como ele do time infantil do Fluminense – embora Tom seja Flamengo de carteirinha assim como o pai sempre foi desde que morava em Santo Amaro da Purificação a 70 quilômetros daqui. É no que dá ficar solteiro depois de dois casamentos e dos 60 anos de idade. Tem ainda a neta, Rosa, filha de Moreno. E a administração da casa no Morro da Paciência onde Caetano ficará à beira-mar plantado até março.
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De nada disso ele se queixa – pelo contrário. O que o incomoda mesmo é um zumbido no ouvido que o acompanha desde a infância, uma dor de lado que apareceu recentemente, a violência que o impede de circular no Rio com a desenvoltura do passado e... Bem, e Lula, para variar. E Hugo Chávez com a idéia de se eternizar no cargo de presidente da Venezuela. E a esquerda brasileira que chegou ao poder sem dispor de um projeto para o país e que de uns tempos para cá resolveu pegar no pé da imprensa acusando-a de ser contra o povo. Está bom ou quer mais?
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Ó paí, ó, quer dizer “olha praí”. É uma gíria baiana que virou título do longa metragem da cineasta Monique Gardenberg que estreará em março. Caetano fez a letra da música do filme - um frevo em parceria com Davi Moraes. E gravou junto com o cantor Jauperi. Então com a devida licença, ó paí, ó, o que Caetano andou dizendo às vésperas do seu show desta noite no Morro da Urca destinado a celebrar o dia de São Sebastião, o padroeiro do Rio:
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“A primeira vez que fui ao Rio tinha 11 anos de idade. Depois, entre os 13 e os 14 anos morei na casa de minha prima Mariinha, a quem chamava de “minha Inha”. Ela vivia em em Guadalupe. Eu tinha problemas de saúde, nenhum muito sério. A garganta estava sempre inflamada. O fato é que em toda a minha vida eu nunca me senti muito bem. Não quer dizer que não tenha sido feliz, nem que não tenha vivido prazeres intensos. Mas nunca me senti fisicamente bem.
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Acabei me fixando no Rio a partir de 1975 quando já era casado com Dedé e Moreno tinha três anos de idade. Moreno e Tom nasceram na Bahia e Zeca no Rio. Estranhamente, ainda me sinto à vontade para morar no Rio apesar da violência. Mas sinto também a angústia instalada na cidade. O Rio, como diz o João Gilberto, é a cidade dos brasileiros. Tudo que acontece com o Rio afeta a totalidade do Brasil e de alguma maneira expressa o que o Brasil tem a dizer.
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No momento, a impressão que o Brasil dá é de ser um país habitado por uma gente cruel, impiedosa e autoritária. O esquema de territórios incrustados num centro urbano como o Rio, disputados por chefes e milícias extra-oficiais, onde episódios de extrema brutalidade se sucedem, é justamente uma imagem oposta àquela do sonho de harmonia e de cordialidade que sempre dominou o imaginário brasileiro. Dói. Mas sou teimoso. Acho que essas impertinências hiperbólicas não deixam de ser estimulantes.
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O quadro de violência decorre apenas da falência do Estado?
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Tem a ver com a sociedade. A maneira como se pensa o papel do Estado e as conseqüências sociais desastrosas se devem ao modo como se pensa a economia, a cultura, o poder, tudo Há um certo desequilíbrio na forma como a sociedade encara tudo isso. As favelas de São Paulo são invisíveis e quando seus habitantes se manifestam parecem apenas zangados. As do Rio são estrelas da cidade. Por outro lado elas são muito próximas das áreas ricas, o que não acontece em São Paulo.
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Uma vez encontrei uma menina da favela de Cantagalo sentada perto da Pedra do Arpoador. Ela me disse assim: “Essa pedra é minha”. O favelado pode dizer isso. Por outro lado, tenho amigas granfinas que não perdem um desfile das escolas de samba. O Rio é uma cidade assim, não é discriminatória como São Paulo. Ela é resultado de uma mistura física e de uma mistura imaginária. Poderia estar melhor. Mangabeira Unger tem razão ao dizer que o PT despreza a maioria desorganizada do povo.
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Ó pai, ó. Mangabeira acabou apoiando Lula no segundo turno
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Acho coerente. Eu quase votei em Lula no segundo turno justamente por causa do Mangabeira. Acabei votando no Alckmin. A aproximação de Mangabeira com Lula me deu esperanças e ainda me dá. Votei em Lula em 2002, mas sempre fui contra a reeleição. Por exemplo: não votei em Fernando Henrique Cardoso quando ele disputou o segundo mandato.
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Naquela época, a imprensa foi claramente expositiva e denunciou os procedimentos poucos louváveis dele e do seu grupo para obterem a reeleição. Não é verdade que agora a imprensa foi destrutiva em relação a Lula porque ela é contra o povo. Eu tenho horror a essa conversa. Defenderei a imprensa brasileira até o fim contra tal argumento, embora tenha sérios problemas com ela. No momento, por exemplo, estou processando a VEJA e ganhei a ação na primeira instância.
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Não sou muito leitor de jornais. Mas tiro conclusões rapidamente, o que pode parecer um defeito, mas é também uma marca de um determinado tipo de temperamento. Mesmo com poucos elementos minha cabeça tende a criar uma teoria. Se erro mais ou acerto mais? Não sei. Acerto muitas vezes. Mas minhas elaborações mentais a respeito das coisas são meio temerárias, reconheço - afinal eu sou artista e isso é perdoável em um artista. Sigo meus sentimentos.
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Por isso queria votar em Alckmin no primeiro turno e anunciar de público, como fiz. E me preparei para votar em Lula no segundo turno. Sabia que ele ganharia. Quando votei em Lula em 2002 fiquei muito emocionado. Acho emocionante o ato de votar. Chorei dentro da cabine. Veio na minha cabeça aquele histórico de Lula e do Brasil em relação a pessoas que tiveram a mesma origem de Lula. Foi um acontecimento histórico de grande importância.
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Achei que a volta do Brasil à democracia seria difícil. Porque um país que produz aquela ditadura, aceita as pressões norte-americanas, alimenta a mediocridade interna a ponto de viver aquelas coisas da maneira que viveu, não pode ficar de repente bonzinho porque a democracia foi restabelecida. A Constituição idealizada escrita por Ulysses Guimarães e um bando de malucos não nos garantiria uma vida maravilhosa. Nunca tive esperanças irrealistas. Já me bastava que pessoas com um histórico razoável chegassem ao poder.
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Cara, nós tivemos Fernando Henrique como presidente e depois Lula. Infelizmente, Fernando Henrique inventou a reeleição. E agora que Hugo Chávez inventou reeleição atrás de reeleição, entende? É uma coisa horrenda. E é preciso que se diga em altos brados “Ó praí, ó...” Veja o enorme perigo que existe nisso. Suspender, como ele anunciou que fará, o funcionamento de uma empresa de comunicação, é ruim. E planejar uma permanência indefinida no poder é pior ainda. Eu tenho uma certa raiva da esquerda...
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Eu disse que defenderia a imprensa brasileira até o fim porque acho que a acusação que a esquerda faz contra ela é perigosíssima. É um absurdo dizer que a imprensa tentou destruir o governo Lula de maneira golpista. Os escândalos que aconteceram, aconteceram. E eles caíram no colo da imprensa. Eu tenho certeza disso. Ser mais simpática e cuidadosa com Lula como a imprensa foi seria igual a Cuba. Seria como ter um só jornal e mesmo assim do governo.
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Não pode existir só a CARTA CAPITAL que é a VEJA do Lula. Tem que ter a VEJA também. Diogo Mainard é um moderado se comparado com Paulo Francis [ex-colunista do jornal O Estado de S. Paulo].
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Caetano - "Dirceu chorou no ombro de Fidel"
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Mas você ainda não disse por que negou seu voto a Lula no segundo turno...
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1 Comments:
Dizem que Deus é brasileiro. Espero que Ele não desanime diante do panorama descrito por Caetano Veloso...
(Bianca)
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