Pompa e circunstância marcaram o anúncio do PAC (Plano de Aceleração do Crescimento) de Lula. Ingênuos poderão pensar tratar-se o “projeto” de uma retomada da capacidade de planejamento e indução econômica do Estado. O Brasil perdeu essa capacidade desde a década de 1970, devido à desordem inflacionária e a falência do Estado no contexto da abertura dos mercados à competição global sem barreiras.
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No passado, em outro contexto, Getúlio Vargas, JK e os militares promoveram três surtos de desenvolvimento por indução estatal. Getúlio trouxe a siderurgia de base, criou as estatais de energia e petróleo, patrocinou o início da transição do Brasil rural para o Brasil urbano e, inspirando-se em Mussolini, criou o sindicalismo estatal e a CLT. JK trouxe a indústria automobilística e deu início a era da hiperinflação. Construiu Brasília, autêntico ralo de dinheiro público. A renda per capita do plano piloto é 30% superior à média nacional. Brasília não produz riqueza. Pelo contrário, consome a riqueza que o Brasil que produz gera. Os militares, em nome do combate ao comunismo, criaram 137 novas estatais e construíram a infra-estrutura de telecomunicações, transporte e energia. Essas duas últimas estão, hoje, em colapso por falta de investimentos privados, como os que ocorreram na bem sucedida privatização das telecomunicações.
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Os séculos XVIII e XIX foram séculos da liberdade da sociedade e do mercado (na Europa e nos EUA). Foi nesses dois séculos que se consolidou no mundo o modelo de sociedade baseado na combinação entre a Democracia e Livre Mercado. O século XX foi o século do Estado. Não por acaso, no século passado assistimos a emergência dos totalitarismos de esquerda e direita (Stálin, Mussolini, Hitler, Franco, Salazar, etc). Seus correspondentes latino-americanos foram Getúlio Vargas e Perón. Nos EUA - uma das, senão a sociedade mais livre e aberta do mundo - foi o New Deal de Roosevelt, implantado após o ‘crash’ de bolsa de Nova Iorque e a subseqüente recessão mundial, o equivalente norte-americano ao avanço do Estado sobre a liberdade de mercado.
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Os ciclos de desenvolvimento promovidos por Getúlio e JK foram patrocinados pelo crescimento da economia proporcionado pelo abastecimento da Europa em guerra por produtos primários aqui produzidos. No caso de Getúlio, também pela negociação com os EUA, que nos “deram” a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) para que não entrássemos na II Guerra do lado de Hitler. JK e os militares financiaram o crescimento econômico às custas da inflação, e, no caso do regime militar, às custas do financiamento internacional disponível para promover o capitalismo na América Latina, num momento em que a democracia era ameaçada pelas guerrilhas comunistas que varriam o continente de norte a sul. O contexto mundial era de expansão do poder da esquerda pela Europa do Leste; China; Vietnã, Cuba, Moçambique, Angola. Na África e na Ásia, a esquerda se aproximava dos nacionalistas nas guerras por independência das ex-colônias européias. A revolução na Nicarágua (1980) foi o último espasmo do velho socialismo, cuja matriz teórica e prática baseava-se no industrialismo do século XIX, em processo acelerado de extinção após a década de 1980. Em 1989 cai o Muro de Berlim; acaba a URSS, e, com isso, vai à falência o paradigma marxista.
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A versão democrática do modelo econômico baseado na preponderância do Estado sobre a sociedade e o mercado, implantado na Europa após a derrota do nazismo e do fascismo na II Guerra Mundial, é o chamado Welfare State (Estado do bem estar social). Sob o trauma de duas guerras que dizimaram o velho continente duas vezes no século XX, os europeus buscavam combinar democracia liberal com políticas sociais públicas e de intervenção estatal na economia. O modelo vigorou no mundo até a década de 1980, quando o processo de globalização provocado pelo incremento das telecomunicações e transportes ampliou em escala inimaginável a circulação de riqueza no mercado internacional, atropelando os estados nacionais, suas barreiras protecionistas, burocracias e fronteiras físicas.
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Mudou a realidade econômica, social, política e cultural em escala planetária; mudaram os paradigmas teóricos para sua compreensão. Ao mudarem os paradigmas teóricos de compreensão dessa nova realidade, mudaram as estratégias empresariais e governamentais de inserção competitiva na nova economia capitalista pós-industrial. O Welfare State tornou-se caro e insustentável no quadro na competição global aberta. Os ciclos de desenvolvimento por indução estatal dos países latino-americanos, financiados por endividamento e inflação (cujo ícone foi o chamado “milagre brasileiro” do início da década de 1970), encontrou seu limite quando chegou a hora de pagarmos a conta pelas nossas ignorâncias e ilusões. Não existe almoço de graça.
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Na contramão da história, a América Latina marcha em ritmo acelerado em direção ao passado. Crescemos como rabo de cavalo: para trás e para baixo. Na Venezuela, na Bolívia e no Equador, tiranetes manipulam a democracia; avançam medidas políticas autoritárias e reeditam a era das nacionalizações e estatizações. Na Argentina, Kirchner patrocina a recuperação econômica financiada pelo “calote negociado” aos credores internacionais e pela volta da inflação de dois dígitos. Em breve chegará ao país vizinho a conta dessa nova ilusão. No Brasil, Lula reedita, como farsa, um simulacro do desenvolvimentismo do regime militar. O PAC nasce com cheiro de mofo, marcado pelo improviso e pela pirotecnia publicitária.
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Não custa lembrar que o anúncio desse “pacote desenvolvimentista” data de dezembro de 2006, quando Lula pediu a Guido Mantega que desse um jeito de desempacar a economia brasileira. Lula não gostou da primeira versão e mandou Mantega conversar com Duda Mendonça. Em janeiro de 2007, nasceu o PAC.
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Mesmo que quisesse atender o voluntarismo de Lula, seu ministro de cabeça petista não poderia fazê-lo. Não há desenvolvimento sustentado sem financiamento pesado. O Estado brasileiro não tem dinheiro. Tem dívidas em títulos públicos na mão da banca privada e de todos nós que botamos uns trocados nos FIFs. Dinheiro farto, portanto, há. Nas mãos da iniciativa privada nacional e internacional. Mas, para o investidor, é mais seguro investir em títulos públicos financiados a uma taxa de juros 10 pontos percentuais acima da inflação, do que correr maiores riscos com inconfiáveis Parcerias Público-Privadas (PPS). Os investidores – com razão - não confiam nos políticos latino-americanos e têm alternativas melhores para lucrar na Europa do Leste, na Índia e na China.
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Todos os consultores econômicos dos organismos financeiros internacionais e nacionais recitam o mesmo mantra para desacreditar a capacidade de desenvolvimento sustentado do Brasil: gasto público preponderante no custeio de uma máquina pública paquidérmica e ineficiente; déficit estrutural da Previdência; alto custo da contratação de trabalhadores e legislação trabalhista inflexível; empecilhos burocráticos à abertura e fechamento de empresas; alta carga tributária; estrangulamento da infra-estrutura de transporte e energia; falta de regulamentação e de garantias de retorno ao investimento privado em PPPs; enfraquecimento das agências reguladoras, dentre outros problemas carimbados como “gargalos” que estrangulam o crescimento.
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Nenhum desses gargalos é objeto de correção pelo PAC. Pelo contrário, a lógica do PAC e da retórica de Lula para seu segundo mandato é a de uma versão light do chavismo. Lula só não vai mais longe no “paradigma chavista” porque o Brasil não é a Venezuela; muito menos é a Bolívia ou o Equador. Aqui, o buraco é mais encima.
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Ao melhor estilo “Bolsa-Família”, depois do fracasso do “Fome Zero”, Lula requentou projetos já em andamento e investimentos já previstos pelas estatais e reuniu-os sob a marca “PAC”. O único dinheiro novo – pouco - que o governo vai botar no PAC vem da redução do superávit primário de 4,5% para 3,5% e do controverso uso do FGTS. Aliás, convém lembrar quer a Previdência Social brasileira começou a quebrar quando os militares meteram a mão no dinheiro dos trabalhadores para financiar a Transamazônica, Itaipu e outras obras públicas.
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Desde 2003, todo início de ano Lula anuncia um novo “espetáculo do crescimento”. E no fim do ano? Nada. A novidade desse ano foi apenas o rótulo PAC. Lula espera que o “resto” dos investimentos – que é a maior parte do virtual financiamento do PAC - venha da desconfiada iniciativa privada. A farsa não resistiu sequer ao próprio evento de lançamento, no qual o ilustre ministro da Fazenda fez um patético apelo público ao presidente do Banco Central, para que baixe a taxa de juros em ritmo e proporções maiores, sem o que a imagem do PAC vai para o brejo. E junto, vai o projeto de mais uma reeleição de Lula.
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Se isso não é improviso, pirotecnia e farsa, é o quê?
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Paulo G. M. de Moura
cientista político
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