WSWS : Portuguese27 Janeiro 2007.A condenação de dois estudantes da Universidade de São Paulo (USP) à prisão por causa de uma manifestação política, em dezembro de 2006, foi a manifestação mais violenta da escalada da repressão nas universidades brasileiras. Fatos similares têm acontecido em várias universidades, mas esse caso se destaca pela total arbitrariedade, e pelo fato de envolver a mais importante universidade do país, onde há poucos anos a polícia militar nem sequer intervinha.
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Em agosto de 2005, Daniel Sene e Ilana Tschiptschin, ambos estudantes de arquitetura, foram detidos pela Guarda Universitária quando pintavam o asfalto em frente à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, no maior campus da USP, em São Paulo. A pichação, “Brasília 17”, era um chamado para um protesto contra a corrupção do governo Lula, que aconteceria no dia 17 de agosto na capital do país, Brasília. Como se não bastasse ter detido os estudantes, a Guarda Universitária levou-os imediatamente a uma delegacia de polícia, onde eles foram interrogados e passaram a noite numa cela.
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No meio do ano passado (2005), Daniel e Ilana foram condenados a três meses de prisão. A defesa apresentou um recurso contra a decisão numa instância superior, mas no dia 18 de dezembro (de 2006) o Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu manter a pena. Idibal Pivetta, advogado dos estudantes, afirmou que vai recorrer novamente da decisão.
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Pivetta, advogado histórico de presos políticos, já foi presidente da União Nacional dos Estudantes em 1958, durante a ditadura militar [de 1964 a 1985] defendeu centenas de presos contra a repressão terrível daquela época de terror, a maior parte deles estudantes e muitos deles hoje políticos importantes da vida brasileira. Em diversas declarações públicas, ele afirmou que o fato da Guarda Universitária ter levado os estudantes para a delegacia é uma verdadeira “aberração jurídica”, e que o caso lembra de forma assustadora os tempos negros da ditadura.
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Disse o advogado Idibal: “O caso do Daniel e da Ilana, recente, de 2005, eu considero uma aberração jurídica, uma aberração ética e moral.” E mais especificamente sobre a ação da Guarda Universitária, disse ele: “O que aconteceu no caso deles e que tem acontecido em vários outros casos é que essa polícia interna não age socialmente, ou culturalmente, ela age arbitrariamente”. Perguntado sobre como deveria ter agido a Guarda Interna, Pivetta declarou: “O que deveria ter sido feito no caso deles era conversar com os acusados, levar essas pessoas, ou convidá-las para ir até a prefeitura [do campus] e lá a congregação ou os responsáveis pela segurança tomariam ou não alguma providência, assegurando a eles o direito de defesa total, amplo e irrestrito, como é normal em outras universidades civilizadas. Mas os seguranças da USP detiveram violentamente os dois e os levaram para uma delegacia de polícia normal. Isso fere todos os princípios da autonomia universitária, do direito da universidade se reger a si própria.”
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Uma manifestação política dentro da universidade deve ser tratada como ato social legítimo pela Guarda Universitária e não como crime comum. Mas juridicamente isso torna-se ainda mais grave pelo fato de os estudantes terem pintado apenas o asfalto. Como não pintaram prédios da USP, Daniel e Ilana não podem ser acusados por “depredação”, e foram acusados por um crime “estético-ambiental”. Ou seja, a única justificativa jurídica possível para a condenação dos dois é que eles tornaram a universidade mais “feia”. Ora, isso é uma clara restrição à liberdade de manifestação política, e equivale a dizer que se manifestar politicamente na universidade é crime!
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“Quem devia estar no banco dos réus é a Universidade de São Paulo!”
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Em sua argüição no Tribunal e em declarações à imprensa, o advogado Pivetta comparou seriamente o caso à repressão instaurada nas universidades pela ditadura militar no fim dos anos 60. “A atitude da USP, de querer ter poder de polícia, faz a instituição regredir ao período da ditadura militar. Um caso com tal baixa significância de dano ser levado para a Justiça, eu só vi na época da repressão militar”, declarou à imprensa e acrescentou: “Quem devia estar no banco dos réus é a Universidade de São Paulo!”.
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No mesmo sentido, em um recente evento de homenagem a antigos ex-presos políticos da época da ditadura militar, enquanto todos tratavam a repressão como um fantasma do passado, Pivetta aproveitou a ocasião para homenagear em tom de protesto “os mais jovens presos políticos”, Daniel e Ilana.
Na verdade, mesmo durante a ditadura militar, a presença da polícia na USP não era institucionalizada, era apenas esporádica, mínima até, se comparada à vigilância permanente existente hoje. Tanto é assim que, quando a polícia militar entrava na universidade isso era significativamente chamado de “invasão”. Como declarou Pivetta em entrevista a estudantes: “Mesmo no tempo da ditadura, raramente houve invasões. Houve invasões no caso do CRUSP [moradia estudantil], do restaurante universitário, mas dificilmente a polícia política iria prender dentro da universidade. Isso é uma arbitrariedade, isso tem chocado todos os advogados de São Paulo e a opinião pública que tomou conhecimento do caso”.
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Outro fato que não pode ser ignorado é que a pichação realizada por Daniel e Ilana era um chamado para um protesto contra a corrupção descarada do governo Lula. No momento emergia uma profunda crise política no país, logo após a revelação do escândalo do “mensalão”, que envolvia os principais nomes do governo petista em desvio de dinheiro público e compra de parlamentares. Conforme diversos estudantes relataram, nesse período (agosto de 2005), as manifestações relacionadas à política nacional eram as mais duramente reprimidas na USP. “Havia uma orientação da burocracia para arrancar os cartazes de protesto contra a corrupção e contra o governo Lula. Esses cartazes eram arrancados rapidamente, enquanto outros cartazes permaneciam”, disse um estudante também envolvido na manifestação, que prefere não se identificar.
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Burocratas universitários querem o fim das liberdades democráticas na USP
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A prisão e a condenação de Daniel e Ilana não é um fato isolado. Durante todo o ano de 2006, tomou força na USP um processo cada vez mais repressivo, que já vinha se desenvolvendo nos últimos anos. Foram aplicadas várias restrições às atividades estudantis, principalmente às manifestações políticas, e diversas medidas de “segurança”, que estão acabando com a tradicional e histórica liberdade dos estudantes dentro do campus.
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A presença constante da Polícia Militar é a mais grave delas, mas ao mesmo tempo, vários outros ataques da burocracia e de professores reacionários se combinaram ao longo dos últimos anos para massacrar a vida estudantil na USP. A entrada passou a ser cada vez mais rigorosamente controlada, os horários foram sendo restringidos, câmeras de segurança estão sendo instaladas, panfletagens e colagens de cartazes “políticos” são frequentemente reprimidas, festas têm sido proibidas ou dificultadas sistematicamente, os espaços livres das organizações estudantis estão sendo retirados, e as punições aos estudantes “infratores” se multiplicam.
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Essa onda repressiva que, em algumas universidades mais e em outras menos, atinge todos os estudantes, está diretamente ligada à destruição da educação pelo governo Lula, à privatização das universidades públicas através de parcerias com grandes empresas e bancos, à transferência de recursos públicos para as universidades privadas através de programas governamentais, às demissões em massa de professores nas particulares e a iniciativas como o “ensino à distância”, que não deixam dúvidas sobre para onde se encaminha a educação: o caos do mercado capitalista.
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Reduzir as universidades à mera formação de mão-de-obra para o mercado de trabalho, e vincular totalmente a produção de pesquisa aos interesses imediatos do capital é a barbárie do capital tomando a cultura e a universidade. A repressão policial, o cacete e a delegacia garantem a implementação tranqüila do projeto dos bancos e da privatização generalizada da cultura e da ciência, contra os interesses da imensa maioria dos estudantes e da população brasileira.
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Por Júlio Mariutti
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