Passo a passo, como foi criado o Plano Real
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Ao longo do caminho para a criação e a implantação do real, foram enormes os problemas, crises, divergências e mesmo brigas. Acompanhe como o plano foi concebido
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Desde o final dos anos 70, um grupo de economistas brasileiros, muitos dos quais ligados ao Departamento de Economia da PUC-Rio, trabalhava com o conceito de inflação inercial - independentemente de outras causas, a inflação passada tende a se replicar no futuro, nas asas da indexação generalizada da economia. Alguns deles começaram a desenhar planos para combater o componente inercial. Um dos caminhos era o congelamento simultâneo de preços e salários, implementado com êxito em Israel em 1985.
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No Brasil, porém, com o fiasco do plano Cruzado em 1986, e a série de congelamentos ainda mais fracassados que o sucedeu, este caminho foi inviabilizado. Restavam poucas alternativas. Uma delas seria um 'currency board' como o implementado pela Argentina em 1991, pelo qual o país praticamente renuncia à moeda nacional, ao submeter sua emissão a uma regra de cobertura total pelas reservas internacionais.
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Outra abordagem, mais complexa, tinha sido alinhavada pelos economistas Pérsio Arida e André Lara Resende em um trabalho acadêmico de 1984, que ficou conhecido como 'plano Larida'. A idéia era criar uma moeda com indexação diária, que reajustasse automaticamente todos os preços e contratos da economia. Ela conviveria algum tempo com a moeda anterior, e depois a substituiria. Era como se a moeda indexada absorvesse a inflação diariamente, e depois se transformasse numa moeda nova, limpa, livre da contaminação hiperinflacionária. O plano era mais um esquema para liquidar o componente inercial da inflação.
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Solução inviável
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Com a disparada da inflação para um nível anual acima de 200% em 1984, ficou evidente para muitos daqueles economistas que combater a espiral inflacionária apenas com aperto fiscal e monetário tornara-se inviável. Quando o País entrou na fase hiperinflacionária, depois do fracasso do Cruzado, aquela restrição ficou ainda mais clara.
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"Partíamos do princípio de que não seria exeqüível fazer a contração monetária e fiscal necessária para quebrar a inércia dos contratos; ela seria de tal ordem que governo nenhum teria condições de realizá-la", diz Arida. Em outras palavras, um plano ortodoxo para combater a hiperinflação geraria uma queda do PIB tão violenta que, na prática, esta opção se tornava quase impossível.
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Por outro lado, todos os participantes daquele grupo de economistas estavam absolutamente conscientes de que combater a inflação inercial sem mexer no descalabro das contas públicas brasileiras levaria inexoravelmente a mais um fracasso, como o do Cruzado e dos diversos planos heterodoxos que o sucederam. "Tínhamos que atacar a área fiscal e a reforma do Estado", relembra Gustavo Franco, um dos principais formuladore e executores do Plano Real.
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Convocados um a um
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Todas estas questões já tinham sido amplamente mastigadas pelo grupo de economistas que viria a lançar o programa de estabilização, quando eles foram, um a um, convocados a participar do governo, com a nomeação de Fernando Henrique Cardoso como quarto ministro da Fazenda de Itamar Franco, em maio de 1993.
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O grupo incluía Lara Resende, Arida, Franco, Pedro Malan, Edmar Bacha, Winston Fritsch e Chico Pinto, todos ligados à PUC-Rio. Era evidente para eles que a sua missão, e grande oportunidade histórica, era, no pouco mais de um ano e meio que restava ao governo Itamar, encerrar o ciclo de hiperinflação iniciado em 1986, com o fracasso do plano Cruzado. Nos dez anos anteriores ao Plano Real, a inflação brasileira medida pelo IPCA acumulou 310 bilhões por cento. Neste período, houve uma sucessão de pacotes, mudanças de padrão monetário, congelamentos e até um seqüestro de contas e aplicações, todos inúteis.
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Por indicação de José Serra e Sérgio Motta, o Serjão, duas das principais lideranças do PSDB, e futuros ministros do presidente Fernando Henrique, o então ministro da Fazenda chamou o executivo Clóvis Carvalho, que trabalhava para o grupo Villares em São Paulo, para ser seu secretário-executivo. O engenheiro Carvalho, sem formação em Economia, recebeu a missão de gerenciar e dar objetividade àquele grupo brilhante de acadêmicos.
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"O Serjão entrou no circuito, me dizendo que precisavam de alguém para 'fazer funcionar'", relembra Carvalho. "Pedi um dia para pensar, e ele me disse que eu só tinha 15 minutos; liguei para minha esposa e falei que era algo para no máximo seis meses, dada a rapidez das trocas de ministros da Fazenda pelo Itamar", continua.
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Clóvis Carvalho ficaria seis anos e meio em Brasília, como secretário-executivo da Fazenda até o fim do governo Itamar, ministro-chefe da Casa Civil de Fernando Henrique até junho de 99, e ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior até setembro do mesmo ano, quando saiu do governo.
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Série de reuniões
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O grupo imediatamente iniciou uma série de reuniões, em São Paulo, Brasília (muitas no apartamento funcional de Fernando Henrique) e Rio, que se prolongaria até as etapas finais do lançamento do Plano Real. As discussões eram feitas de igual para igual e sem hierarquias, independentemente das posições que ocupassem no Ministério da Fazenda e até em outras áreas do governo.
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Desde o início, estava claro que a grande tacada seria fazer um plano para acabar com a hiperinflação, que teria necessariamente que incluir uma recauchutada geral no caos das contas públicas brasileiras, e um dispositivo para derrotar o componente inercial da inflação. Quanto a este segundo ponto, dada a desmoralização dos congelamentos, a saída estava em um esquema do tipo 'plano Larida'. A idéia do 'currency board' chegou a ser cogitada, mas havia uma rejeição quase instintiva no grupo à noção de se renunciar à moeda nacional. "Todo mundo lia o que todo mundo escrevia e estava todo mundo pensando a mesma coisa", diz Franco.
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Arida observa que, mesmo tendo dado errado, o plano Cruzado criou na sociedade brasileira a idéia de que algo de grande impacto teria de ser feito para derrotar a inflação. A série de tentativas de planos parecidos que se seguiu, apesar dos sucessivos fracassos, fazia com que os agentes econômicos sempre esperassem que um novo congelamento viria. Com isto, ele diz, "os preços aumentavam na expectativa do próximo congelamento, a inflação acelerava, e os políticos congelavam, validando a previsão dos empresários".
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O plano Collor em 1990, de sequestro das contas bancárias e aplicações, aumentou ainda mais o temor de intervenções drásticas do governo.
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Diante desta situação, Fernando Henrique determinou à equipe econômica que queria um programa de estabilização "sem sustos, sem congelamento e sem confisco". E a abordagem do plano Larida, pela qual se anunciava previamente a introdução da moeda indexada, tinha a grande vantagem de obedecer a esta determinação do ministro.
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Medidas preparatórias
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Logo na partida, em julho de 1993, antes mesmo que estivesse totalmente definida a decisão de se lançar um programa de estabilização, o grupo elaborou o Plano de Ação Imediata (PAI), um conjunto de medidas fiscais preparatórias para o Plano Real. Os objetivos do PAI eram o corte e maior eficiência dos gastos públicos; recuperação de receita tributária; o fim da inadimplência de Estados e municipíos nas dívidas com a União; o controle e a rígida fiscalização dos bancos estaduais; o saneamento dos bancos federais; e a privatização.
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O plano estabelecia um corte de US$ 6 bilhões nas despesas do governo em 1993, e determinava que a proposta orçamentária de 1994 deveria ser feita com uma previsão realista de receita - uma tentativa de romper com o padrão de ajustar as despesas irrealistas do Orçamento por meio da inflação.
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Outras providências do PAI eram a regulamentação do Imposto Provisório sobre a Movimentação Financeira (IPMF), antecessor da atual Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira (CPMF); o endurecimento da fiscalização da Receita Federal; o disciplinamento dos Estados e municípios, com propostas que só viriam a ter plena eficácia com a promulgação da Lei de Responsabilidade Fiscal, em maio de 2000; e as primeiras iniciativas do ciclo de medidas pelas quais o governo federal e o Banco Central fecharam o ralo financeiro dos bancos estaduais (em 1995, com a intervenção no Banespa, Banerj, Nacional e Econômico, e a criação do Proer, foi enfrentado o início de crise bancária causada pelo fim dos lucros com a inflação).
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Vários incêndios a apagar
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Além do PAI, a equipe de Fernando Henrique Cardoso teve de apagar vários incêndios, enquanto arquitetava o Plano Real. Em junho de 1993, a Câmara dos Deputados aprovou por 384 votos a favor, e dois contra, uma lei salarial articulada pelo então deputado (hoje senador) Paulo Paim, do PT, que previa reajustes mensais (substituindo as antecipações bimestrais e reajustes quadrimestrais então em vigor) para salários com valor de até 20 mínimos, e reajustes reais para o mínimo de 3% ao mês.
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A equipe econômica gelou, porque estava claro que a vigência da 'lei Paim' significaria o descontrole final da hiperinflação. Segundo Franco, alguns pensaram em deixar o governo, naquele momento inicial em que a idéia de derrotar a hiperinflação ainda era um sonho ao qual atribuíam baixa probabilidade de realização. "Abriu a janela, vamos embora", ele descreve, referindo-se ao que passou na cabeça de muitos naquele instante.
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Fernando Henrique, porém, foi persistente, e garantiu que Itamar vetaria a lei, caso, ao fim dos trâmites parlamentares (ainda iria ao Senado e voltaria à Câmara), fosse aprovada naqueles termos, o que de fato foi. A lei foi vetada, e o governo colocou em campo a 'Agenda Brasil', com Franco (então no Ministério da Fazenda) e Raul Jungman, então vice-ministro de Planejamento, discutindo com a sociedade civil e sindicalistas a questão salarial, entre outras.
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No final, em 19 de agosto, em uma sessão tumultuada, o Congresso Nacional aprovou a lei salarial elaborada por Franco, que dava reajustes mensais com redução de 10 pontos porcentuais, com a defasagem reposta a cada quatro meses.
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Reversão das expectativas negativas
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Na época, Fernando Henrique comentou que a vitória do governo na briga da lei salarial marcava a reversão das expectativas negativas da sociedade. "Vamos agora dar uma virada na economia, sem choques e com muito trabalho", ele disse. Ninguém apostaria que aquela promessa se tornaria realidade, como de fato aconteceu.
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Mais adiante, entrando por 1994, Bacha negociou com o Congresso a emenda constitucional do Fundo Social de Emergência (FSE, equivalente à atual Desvinculação das Receitas da União, DRU), um mecanismo para introduzir algum grau de flexibilidade nos gastos da União. O PAI e o FSE criaram as condições mínimas de ajuste fiscal (sempre consideradas arriscadamente limitadas pelo grupo) para que o Plano Real pudesse ser lançado.
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Franco descreve a primeira fase das reuniões sobre o Plano Real propriamente dito como 'especulativa'. Além dos economistas, também participaram nesta etapa Serra; Eduardo Jorge, assessor do Ministério da Fazenda e futuro secretário-geral da presidência da República de Fernando Henrique, envolto em acusações não comprovadas de tráfico de influência depois que saiu do governo; Eduardo Graeff, chefe da assessoria parlamentar do Ministério da Fazenda, e, no governo FHC, sub-secretário de coordenação parlamentar da Casa Civil e depois secretário-geral da Presidência; Murilo Portugal, atual representante do Brasil no FMI; e José Roberto Mendonça de Barros, que trabalhou no Ministério da Fazenda, entre outros.
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Passando da especulação para escrever
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A segunda fase, como relembra Franco, foi a de "passar da especulação para escrever", uma vez definido que a inflação inercial seria combatida com a criação de uma moeda paralela, indexada, que mais tarde se tornaria a única moeda do País. Nesta segunda etapa, Serra se afastou do dia a dia das reuniões do grupo.
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Dois participantes fundamentais nesta segunda fase, segundo vários integrantes, foram Carvalho e Franco. O primeiro pela disciplina executiva que impôs ao grupo. O trabalho de Carvalho incluía desde estabelecer regras básicas, como a de que ninguém poderia atrasar na entrada ou sair antes do término das reuniões, até determinar tarefas específicas e cobrar a sua execução. "Definir missão e objetivos claros é chave; é o jeito de alinhar a equipe, fazendo com que todo mundo saiba para onde vai e que a energia passe", descreve Carvalho.
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Franco, por sua vez, dentro do grupo dos economistas, foi o que mais colocou a mão na massa na trabalhosa tarefa de transformar idéias gerais nas detalhadas peças legislativas que implantaram o Plano Real. Para isto, foram detectados e convocados, dentro da engrenagem do governo, e até fora dele, uma rede de profissionais e especialistas que poderiam contribuir em áreas específicas: política salarial, salários de funcionalismo, previdência, setor financeiro, contratos, tarifas públicas, seguros, etc.
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Alguns atores importantes, e pouco conhecidos, foram o advogado José Coelho Ferreira, funcionário de carreira do Banco Central (BC), e hoje juiz do Supremo Tribunal Militar; Fuad Noman Filho, assessor do Ministério da Fazenda, hoje secretário da Fazenda de Minas; e Rui Jorge, adjunto da procuradoria-geral da Fazenda Nacional, hoje na Petrobrás.
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Os bancos públicos no cabresto
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Segundo Carvalho, Fuad inventou o Comitê de Coordenação Gerencial das Instituições Financeiras Públicas Federais (Comif), com a função específica de colocar no cabresto os grandes bancos públicos, como o Banco do Brasil. Em outras tentativas de estabilização, estas instituições às vezes minavam os esforços do governo, seja com fortes aumentos salariais que se irradiavam pelo setor público, seja pelo lado da oferta de crédito em volume incompatível com os planos. "O corporativismo era enorme, os bancos oficiais representavam a maior ameaça", rememora Carvalho. No Plano Real, o BB foi induzido a criar uma 'reserva de moeda' de R$ 4 bilhões, apertando a cobrança de dívidas e segurando o crédito.
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Coelho, do BC, costumava falar, como relembra Franco, que "em matéria de pacotes econômicos, nada se cria, tudo se copia (de pacotes anteriores)". Ele queria dizer que o Plano Real, apesar dos seus elementos inovadores, deveu seu sucesso, em grande parte, ao aperfeiçoamento de aspectos dos muitos programas anti-inflacionários fracassados que o antecederam.
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Uma das principais lições tiradas de planos anteriores era a de que a contestação judicial era a maior inimiga dos programas de estabilização. Na elaboração do Plano Real, extraordinárias precauções foram tomadas para eliminar este perigo. Franco comandou este processo, mobilizando advogados e juristas dentro e fora do governo.
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Franco e Coelho conversaram longamente com juristas como José Thadeu de Chiara, professor de direito monetário da USP, Gilberto Ulhôa Campos e José Luiz Bulhões Pedreira, todos de fora do governo. Chiara, segundo Franco, redigiu os três primeiros artigos da primeira medida provisória do Plano Real, publicada no dia 29 de fevereiro de 1994. "Ele era como um especialista em uma doença rara", diz Franco, referindo-se ao fato de o jurista ter uma especialidade bastante incomum, mas que seria vital para o País naquele momento.
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URV, moeda de fato, mas sem poder de compra
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Um detalhe importante da primeira MP do Plano Real era o de que a Unidade Real de Valor (URV), o indexador introduzido em 1º de março de 1994, cujo valor em cruzeiros reais aumentava a cada dia, foi estabelecido como uma moeda de fato, porém sem poder de compra. Esta característica, obviamente, só surgiu quando a URV foi convertida no real, e este começou a circular (aliás, houve uma grande operação logística para levar as novas cédulas e moedas para todos os rincões do País). Os salários e benefícios previdenciários foram convertidos imediatamente para a URV. Os contratos e transações entre agentes privados foram convertidos voluntariamente, e a adesão foi um sucesso.
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Os implantadores do Plano Real estavam atentos ao fato de que já havia um entendimento consagrado pelo Supremo Tribunal Federal de que "não há direito adquirido sobre uma moeda extinta". Desta forma, quando, em 1º de julho, a moeda URV converteu-se no real, e o cruzeiro real desapareceu, os contratos e transações na nova moeda tinham grande solidez jurídica.
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A URV, um desdobramento da idéia desenvolvida no estudo de Lara Resende e Arida, foi a peça mais sofisticada do Real. Segundo o grande economista Mário Henrique Simonsen, a URV foi "a mais genial invenção do plano". Ela era um indexador diário, baseado em três índices de preços, e que também tinha uma paridade fixa, de 1 para 1, em relação ao dólar. A cada dia, a URV valia uma soma maior de cruzeiros reais. No dia 1º de julho, todos os contratos, contas bancárias, aplicações financeiras, operações de crédito, etc da economia que já haviam sido denominados em URV passaram a sê-lo em reais, à paridade de R$ 1 para cada URV. Os que ainda eram expressos em cruzeiro real foram convertidos ao real a R$ 1 por Cr$ 2.750,00.
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A implantação do Plano Real foi feita por meio de duas Medidas Provisórias (posteriormente convertidas em lei), editadas no final de fevereiro e de junho de 1994. Em dezembro de 1993, uma Exposição de Motivos delineou todo o arcabouço do plano. A escolha de 'Unidade Real de Valor' para o nome da moeda indexada, segundo Franco, teve o dedo do publicitário Nizan Guanaes. O nome 'real' para moeda definitiva foi uma preferência de Fernando Henrique.
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Vai-se a hiperinflação, fica a inflação
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Em 1º de julho de 1994, a URV transformou-se no real, o cruzeiro real desapareceu e, junto com ele, a hiperinflação. Mas não a inflação. Como lembra Franco, o real nasceu com um nível relativamente alto de inflação (mas, obviamente, nada comparável à hiperinflação). Nos 3 primeiros meses, ela acumulou quase 8%, ou mais de 35% em termos anualizados. Um nível perigoso, dada a tradicional tendência da sociedade brasileira a exigir e obter indexação dos seus contratos e transações.
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Para combater este surto inicial de inflação, o governo aplicou doses cavalares de juro real, e deixou o câmbio se valorizar, aproveitando uma fase de grande disponibilidade de capitais internacionais para os países emergentes. Além disto, a equipe econômica realizou um hábil jogo de pressão direta junto a setores empresariais que ameaçavam o plano com o seu poder de formação de preços. As principais armas do governo eram a conversa dura e as reduções - ou ameaças de redução - de tarifas alfandegárias de produtos importados.
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No final das contas, o plano foi bem-sucedido. Com o distanciamento de dez anos depois, fica claro que o objetivo principal foi atingido: o Brasil erradicou a hiperinflação, e mesmo a inflação em níveis muito altos. Quando o plano foi lançado, porém, não havia nenhuma certeza de que aquela meta seria atingida. Ao longo dos doze meses que antecederam o lançamento do programa, alguns participantes daquele grupo inicial saíram do governo, e sem dúvida o temor do fracasso deve ter contado nestas decisões. Lara Resende, por exemplo, um dos principais redatores da Exposição de Motivos, pediu o boné logo antes da sua publicação.
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Um orgulho indisfarçável
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Dez anos depois, os responsáveis pelo Plano Real mostram um indisfarçável orgulho ao relembrar como livraram o Brasil do atoleiro da hiperinflação. Ao longo do caminho, foram enormes os problemas, crises, divergências e mesmo brigas. No período pós-Real, o crescimento econômico médio foi medíocre, o que representa uma grande decepção para os que acreditavam que a inflação era a raiz de todos os males do Brasil. Ainda assim, os pais do Real têm claramente a noção de que, sem o seu trabalho, o Brasil certamente seria pior. E acima de tudo ficou a lembrança de um fantástico trabalho de equipe: "Foi o melhor grupo com o qual trabalhei em toda a minha vida", resume Clóvis de Carvalho.
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Fernando Dantas