Não se pode negar ao economista Delfim Neto, czar da economia no tempo dos governos militares, o papel de brilhante manipulador. Há quem veja no ardiloso talento de Delfim apenas o mero incandescer de uma luz negra, tudo dependendo do ângulo em que ele seja visto. Não concordo com o segundo enquadramento. Sou dos que reconhecem no ex-czar um perito na arte de abusar da credulidade alheia – o que faz com empenho, energia e boa dose de imaginação (especialmente quando se sabe que ele vai completar 79 anos no dia 1o de maio).
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Delfim foi aluno de Stevenson, professor inglês que introduziu na Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas de São Paulo os métodos quantitativos na economia, a aplicação da matemática na “ciência sombria”. O forte de Delfim é, portanto, lidar com números e dados estatísticos, o que lhe garante um incrível manancial de argumentação, sobretudo na defesa dos seus próprios interesses e dos interesses (privilegiados) dos empresários paulistas - do campo ou das fábricas. Palavra fácil, argumentação na ponta da língua, Delfim abusa.
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Por exemplo: na recente entrevista que concedeu às páginas amarelas da revista Veja (no exato momento em que Lula projeta a organização de novo ministério), Delfim deita e rola. Nela, o entrevistado agora se diz apreciador de Marx, não o economista, que sacou da teoria do valor-trabalho de Ricardo o manancial para alimentar a furada mais-valia. Na sua nova mixórdia, esquecendo os fundamentos de Max Weber quanto ao desenvolvimento do capitalismo como fruto do comportamento religioso (protestante), o ex-czar atribui especial importância ao legado antropológico cultivado por Marx, segundo o qual o homem se fez pelo trabalho.
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Em primeiro lugar, convém ressaltar que o “legado antropológico de Marx” não é de Marx, como diz Delfim, mas, sim, de Ludwig Fuerbach, filósofo alemão que, para se contrapor ao Espírito Absoluto (Deus) alimentado por Hegel, subverteu o sagrado divinizando o homem. De fato, Fuerbach desconfiava de Marx e nunca se enredou com ele, mas deixou, em A Essência do Cristianismo, o principio que reduziu a “prolegómena” teológica à mera antropologia: “Não produzo o objeto a partir do pensamento, mas o pensamento a partir do objeto” – uma heresia, claro, para quem acredita no caráter transcendente do homem.
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Em segundo lugar, o importante em Marx não está no seu “legado antropológico”, como quer Delfim, mas sim, na “descoberta” da história do desenvolvimento humano como produto da luta de classe, que hoje, mais do nunca, orienta de forma estratégica a agenda ideológica do petismo e do governo Lula – e na qual Delfim, antigo socialista fabiano e czar da economia estatizante dos militares, funciona como diabólico “apontador”.
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O finado Henrique Simonsen, o “gênio da garrafa” fazendária da Era Geisel, homem das 500 estatais, gostava de afirmar que Delfim foi escolhido por Costa e Silva para administrar a economia do País porque “era apenas um técnico sem ambições políticas”. Aqui, o milico Costa e Silva acertou e errou ao mesmo só tempo. De fato, desde os tempos de escriturário do Departamento de Estradas e Rodagem, como encarregado do controle de gastos de gasolina, Delfim, salvo passagem pela Associação Comercial de São Paulo, sempre mamou como tecnocrata nas tetas do poder: foi assessor do governo Carvalho Pinto, secretario das Finanças de São Paulo no governo Laudo Natel, duas vezes ministro da Fazenda nos tempos do falido “Milagre brasileiro”, embaixador em Paris, ministro da Agricultura, de novo ministro da Fazenda – e por aí andou Delfim, até fazer-se várias vezes Deputado Federal, sempre dependurado nos cofres da Viúva.
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Mas Costa e Silva errou feio quando imaginou que Delfim era apenas um técnico sem ambições políticas. Nada mais irreal. O ex-czar pensa em política 24 horas por dia, ambicionando, em outras eras, governar São Paulo, para depois, penso eu, chegar à presidência da República - o que nunca conseguiu nem conseguirá.
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Na ordem prática das coisas, Delfim avaliza qualquer lorota que o faça permanecer na crista do poder ou em algum ministério. Na dita entrevista da Veja, ele afirma que Lula não é comunista porque “já rejeitava o marxismo no seu discurso de posse no Sindicato dos Metalúrgicos, em 1975”. Delfim assinala que Lula, na sua fala sindicalista, se pronunciou contra um regime em que “parte da humanidade havia sido esmagada pelo Estado, escravizada pela ideologia marxista, tolhida nos seus mais comezinhos ideais de liberdade, limitada em sua capacidade de pensar e se expressar”.
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Meu Deus do céu! Delfim desconhece que uma das mais pífias estratégias do comunismo na tomada do poder é falar exatamente o contrário do que pensa – recomendação, de resto, feita pelo próprio Lenin aos partidos vermelhos atuantes em todo mundo? Decerto que não. O problema é que, mesmo sabendo que o capitalismo de Estado leva ao inexorável Estado totalitário, ele não nega “conselhos” ao tipo que proclama alto e bom som que o seu objetivo é recriar o “Estado forte”, via aumento da carga tributária e da galopante expansão da máquina partidária dentro do setor público, para não falar na permanente ameaça de controlar os meios de comunicação e a liberdade de expressão.
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Querem outro exemplo do poder de mistificação do gordo Delfim? Bem, aqui vai: no momento exato em que ele negava às páginas amarelas a paternidade da famosa “Teoria do Bolo” (que consiste em fazer o bolo crescer para só depois dividi-lo), Lula, no seu proselitismo pelos Estados nordestinos, consagra a “Teoria do Porco”, que consiste em acreditar que “o porco engorda se tiver o olho do dono tomando conta dele, sem terceirizar”.
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É inútil acrescentar que, no processo do avanço da estatização, o dono do porco é o próprio Estado (Lula), e a sua engorda se processa na expansão do setor público, refestelado em cima da miséria geral.
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13.02, 18h12
por Ipojuca Pontes
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